segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Morrendo de câncer

Com os pés nus no chão molhado ele acende um cigarro, sustentando nas suas costas nada além de ócio. Enquanto preenchia o pulmão, olhava sobre seu ombro esquerdo à procura da companhia. Cheio de coragem sentia a proximidade da morte, silenciava os pensamentos e agradava-lhe o que todos temiam. A morte sussurava por meio do vento úmido que chacoalhava a folhagem. Contava sobre a falta de importância que o mundo e sua existência significavam. Enquanto baforava a fumaça com toda a força contra o céu nublado, sentia-se mais pleno e sereno. Não procurava solução a cada cigarro tragado e, no entanto, era isso que a morte lhe mostrava.

Morte esquiva, sombria e amiga. Ela e o cigarro não preenchiam a solidão, apenas o tratavam como um pássaro trata uma lufada de vento que afasta a tempestade do caminho. Abrindo caminho, solitário na imensidão por entre janelas e percepções alheias aos demais. Espaços desapercebidos, nos quais nem mesmo suas asas sabiam onde levariam. Sem procurar nada, sem segurar nada no trajeto, livre. Como é simples a liberdade, apenas um conceito inútil.

Sentado na escadaria com os olhos ligeiramente tristes de quem enxerga e não mantém diálogo. Visão em chamas, quando o amor novelesco se torna irreal e inalcansável. O cigarro é uma porta para um sorriso inocente de quem percebeu o sopro da morte. Mesmo sabendo que esta pode lhe tocar de leve e desencadear a última dança sem canção da sombra.

Ultimo cigarro. Avisa que o breve momento de silêncio da multidão acabou e os diálogos voltaram para encher a mente. Parte da vida retornou e deixou um cheiro de tabaco queimado nos longos cabelos soltos e no ar que o rodeia. Tudo a seu tempo, morrendo de câncer sozinho.

2 comentários:

  1. Mesmo com amigos, família, amor, sempre se está um tanto só. Só nao tem que SER só.

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